A mídia e os governos

Nos últimos dias dois fatos marcantes colocaram em destaque a discussão do papel do jornalismo e quais deveriam ou não ser suas atribuições. Na perigosa Ciudad Juárez, no México, o assassinato do segundo jornalista de um mesmo jornal por traficantes fez com que o veículo de comunicação pedisse, através de um editorial, orientações aos criminosos de como os profissionais de imprensa devem se comportar para que os ataques terminem. A atitude foi fortemente criticada por membros do governo que afirmaram ser essa uma forma inadmissível de acordo com criminosos. Ao mesmo tempo, aqui no Brasil, os atritos entre os principais meios de comunicação do País e o governo são frequentes e o Presidente Lula chegou a afirmar que o comportamento da imprensa em relação a sua figura “beira o ódio”. Um editorial também foi publicado no Jornal O GLOBO em que a visão dos petistas em relação às funções da mídia é duramente criticada.

Ao envolver embates com a criminalidade onde os conflitos de ideias e os pensamentos conflitantes são resolvidos na “bala”, o caso do jornal mexicano, que intitulou o editorial direcionado ao tráfico de “O que querem de nós?”, sem dúvida é mais dramático e a solução, a princípio, passa mais pela atuação policial, que pode ser no máximo acompanhada por jornalistas com toda a garantia de segurança dada por profissionais preparadas para isso. O paralelo que pode ser feito entre os casos fica nas discordâncias entre governos e meios de comunicação, recorrentes na história. C laramente os conflitos trazem em sua origem interesses com raízes profundas que vem à tona de formas diversas e se misturam numa salada de acusações, preconceitos, ideias prolixas e “certezas absolutas”.

Aqui no Brasil a enxurrada de escândalos quando as eleições estão próximas já virou rotina. Parece preciso, antes de tudo, prestar atenção com calma nas reclamações de ambos os lados e analisar profundamente os argumentos sem repetir frases prontas e simplistas. Ao mesmo tempo em que o governo não tem razão nenhuma em reclamar que a mídia publique denúncias – a crítica, se for feita, deve ser em relação a acusações sem provas e irresponsáveis –, não parece aceitável também que qualquer tipo de crítica a postura dos meios de comunicação seja apontada de imediato como tentativa de censura.

Voltando ao México, a pergunta que fica no ar é a de como deveria agir um jornalista, tendo que enfrentar e “encarar” traficantes extremamente cruéis, num país considerado como dos mais perigosos no mundo para se exercer o ofício. As críticas do Presidente mexicano à imprensa teriam fundamento se o seu governo oferecesse condições (leia-se proteção o suficiente) para que fossem apuradas e devidamente publicadas todas as notícias que levem para a população, com clareza e fidelidade aos fatos, o drama por qual passa a nação que não consegue vencer essa “guerra” e vê as organizações criminosas do tráfico de drogas ampliarem seus domínios.

O editorial pedindo “conselhos” de formas de conduta aos bandidos pode ter sido muito mais um protesto para mostrar à população de como são, até o momento, insuficientes os esforços das instituições responsáveis no que diz respeito ao combate ao crime organizado. O editorial aliviaria o ódio e o foco de criminosos ao jornal – é provável que os ataques tenham ocorrido por causa das exigências feitas pelo veículo para que se acirrasse a política no combate às drogas – e ao mesmo tempo chamaria a atenção de todos, como ocorreu.

A questão que emerge é se a tática extrapolou os limites de onde pode ir ou não a imprensa, algo recorrente também por estas terras. O mais incômodo nas discussões sobre essas relações (governos, sociedade e meios de comunicação) é que a “conversa” sempre termina em acusações velhas e ultrapassadas de ambos os lados que mantêm em “passos de tartaruga” o avanço para o bom jornalismo, fundamental para o avanço da sociedade.

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